A flor de plástico [conto de aniversário, de 8 de janeiro de 2011]

A flor de plástico, duração do diáfano momento vivo. Ela não nasce, não precisa ser regada, não morre e acumula poeira, que gentilmente lavamos e chacoalhamos para que possa ganhar aquele brilho renovado e recolocá-la novamente em seu lugar de enfeite. A flor de plástico impede que o tempo passe, que a vida ocorra naturalmente e mantém os olhos rasos cheio de ternura por sua durabilidade interminável e alguns olhos profundos perturbados.
Ela chamou-me para almoçar num hipermercado, um daqueles que tem muitas lojas âncoras que servem para que as pessoas andem menos a procura do que deseja, aquelas mesmas que tiram o gosto da busca, do bater pernas e encontrar-se verdadeiramente com as pessoas para um despretensioso puxar conversas. Eis que lá, sentado e olhando ao derredor, meu coração começou a palpitar, alguma coisa deixou de fazer sentido na minha cabeça. Ela perguntou-me se tudo estava bem e disse que não... acreditou ser um pouco da ressaca da noite passada.
A comida chegou, olhei para o prato e senti o gosto plástico em minha boca. Coloquei o garfo na refeição e ela se emplastificou naquele momento, uma suculenta lasanha de plástico. Olhei mais uma vez ao redor e as pessoas pareciam de plástico: sorrisos prontos, felicidade calculada, movimentos mecânicos. Todos sentados à mesa pareciam de plástico, tratando de amenidades, miudezas não vividas.
Após a refeição, abri o jornal que acabei de comprar na banca de plástico e ele também somente tinha notícias plásticas. Fechei o jornal estarrecido, um pequeno desespero desmoronou sobre mim, continuo insistentemente olhando ao redor e tudo acumulou uma poeira intragável, as pessoas com aparente melhor posição social que ali também estavam usufruindo do mercado de plástico estavam tornando-se plásticas, seus sorrisos soavam falsos, homens e mulheres andando de mãos dadas com suas roupas obviamente caras, seus cabelos bem cortados e falsamente alisados, sua pele perfeitamente limpa, seus músculos bem torneados, até havia um deles que parecia inarticulado, sua plasticidade era tão grande que tornara-se ali mesmo um boneco de cabelo sintético e sorriso infalível no rosto.
Desassossegado levantei da mesa, com a desculpa de que iria dar uma volta. Ela olhou-me com olhar de reprovação, nem todos haviam terminado a refeição plástica. Entrei numa loja de calçados qualquer. Era uma loja de autoatendimento: você entra escolhe, prova ali mesmo em qualquer lugar, não fala com ninguém, não interage com ninguém, não escuta que algo está ou não na moda, não recebe conselhos de como usar tal ou qual calçado. Nada. Olhei para cada tênis, cada sapato, cada bota, cada sandália, apreciei suas cores, seus formatos e tive a audácia de tocá-los, e o que aparentava couro era plástico, o que era camurça tinha a textura de plástico. Nada era agradável, nada era palatável, meus olhos reprovaram tudo.
Olhei num espelho disponível ali mesmo na loja, apreciei meu cabelo, minha roupa e meus sapatos, tudo também parecia de plástico, desesperei mais uma vez, tentei me salvar por lembrar da noite anterior: a memória remonta a naturalidade da vida, o nascimento, o crescimento e a morte, e só conseguia me lembrar que eu repetia interminavelmente: está tudo errado aqui! Lacrimejei, mas não chorei, acabara de me tornar de plástico. Até mesmo as gotas de orvalho das flores de plásticos são falsas, são uma resina que mal imita a água por seu aspecto esbranquiçado. Tudo por um longo instante pareceu uma pequena flor de plástico empoeirada.