Diana - Tasseomancy [tradução]

Os lobos em minha cela
por minhas maçãs enegrecidas e pútridas.
Pegaram mais do que deram,
meus animais se amedrontaram e adoeceram.
Adiantem as suas colheiras,
elas apodrecerão
nesta escura estação.

Os lobos em meu altar
por estas feras que não são puras para o abate.
Pegaram mais do que deram,
a qual carne serviria este sangue e este fogo?
Adiantem as suas colheiras,
elas amadurecerão
nesta escura estação.

Mande-me teu arco, Diana
Abençoe-o com o vinho, agasalhe-o com a vinha
Temos que achá-la,
esculpi-la em pedra, Diana
enfeitada de dentes e cipreste
pelo se arco.
Os lobos...

Os lobos em minha câmara
por estes olhos não necessitarem do julgamento do carcereiro.
Pegaram mais do que deram
e a vida não se acelera para a ruína.
Adiante sua respiração,
dudo acabará no final desta escura estação.

Lá no fundo
da sala
eles gritam meu nome
suavemente
suavemente
através da boca do leão,
isto não é meu problema,
esta não é minha dúvida.

Mande-me teu arco, Diana
Abençoe-o com o vinho,
agasalhe-o com a vinha. Temos que achá-la,
esculpi-la em pedra, Diana
enfeitada de dentes e cipreste por seu arco
Mande-me teu arco, Diana
Abençoe-o com o vinho, agasalhe-o com a vinha. Temos que achá-la,
esculpi-la em pedra, Diana
enfeitada de dentes e cipreste pelo seu arco.

Pés leves - Tasseomancy [tradução]

Quando eu acordo,
temo a noite
aproximando-se com a devida violência, Eu
amaldiçoo as casas com cornetas e pele humana
Saltando de pés leves para a hesitação da tua faca

Uivar, berrar, bramir, chiar

E o refrão me diz
não seja insensato
Saltando de pés leves para a hesitação da faca
E o poeta me diz
não seja grosseiro
partes do rosto dela estão reluzindo em branco

Minha testemunha - The irrepressibles [tradução]


Enterre-me com a espada, a corrente e a dor
Viverei com as moscas, com o fogo da fogueira inquisitorial.
Esquecido num pensamento por você preparado,
moldado numa forma inata de você.

Acordarei da chuva da sua luz.
Trespasse essa faca no meu peito, viverei em você,
Ah. ah, ah minha testemunha.
Ah, ah, ah minha testemunha.

Crie a queda, ateie o fogo,
dane-se as leis, suavemente...
Pinte isso tudo com o desejo.
Molde a forma que eu vejo.

Viverei com a faca, com o amado em mim.
Sou o sustentáculo olhando para sua hipocrisia.
Ah. ah, minha testemunha.
Ah, ah, ah minha testemunha.
Pegue a ferida do céu!
Faça o amor num olho!
Pegue a ferida do céu!
Faça o amor num olho!
Pegue a ferida do céu!
Ah. ah, ah minha testemunha.
Ah, ah, ah minha testemunha.

Faça guerra de suas crenças
mais pungentes, por favor!
Faça guerra de suas crenças
mais ignorantes e desapareça!
Acordarei da chuva de sua luz.
Trespasse a faca no meu peito, viverei em você.
Ah. ah, minha testemunha.
Ah, ah, ah minha testemunha.

Pegue a ferida do céu!
Faça o amor num olho!
Pegue a ferida do céu!
Faça o amor num olho!
Pegue a ferida do céu!

Almas entrelaçadas - Björk [tradução]

Remisturo as placas tectônicas de meu peito

Você sabe, doei-me por completo
na tentativa de ligar nossos continentes,
de mudar as intempéries da estações,
de entrelaçar as almas.
Tão rápido quanto suas unhas crescem,
as rugas do Atlântico erram
para dizimar a distância.
Você sabe, doei-me por completo.
Consegue ouvir o esforço da contenda magnética?
Mistura de colunas
para entrelaçar as almas?
Esta erupção desfaz a estagnação.
Você não sabia que ela estava em mim.
Reteve seu amor, uma cápsula inesgotável,
Eu não sabia que ele estava em você...
Você foi capaz de esconder a chave de nossa continuidade,
Eu não sabia que ela estava em você.
Esta erupção desfaz a estagnação.
Você não sabia... você não sabia...
No que resiste persiste, detalhes aquecem
para dizimar a distância.
Eu sei, doou-se por completo,
ofereceu-me a harmonia em troca de tudo ser do seu jeito.
Minha placa eurasiana contida,
moldando o entrelaçamento das almas.
Esta erupção desfaz a estagnação.
Você não sabia que ela estava em mim.
Reteve seu amor, uma cápsula inesgotável,
Eu não sabia que ele estava em você...
Esta erupção desfaz a estagnação.
Você não sabia que ela estava em mim.
Esta erupção desfaz a estagnação.
Você não sabia... você não sabia...

Trovão inesperado - Björk [tradução]


Inspiragitando nos abismos aquáticos
fria espumafrivola em meus ramos
é minha mente em turbilhão
um passeio em torno do desejo

Poderia? Conseguiria ou teria tudo isso tão frequentemente?
Suspirando milagres.
Poderia? Conseguiria ou teria tudo isso tão frequentemente agora?
Suspirando milagres.
Suspirando milagres.

Ninguém imagina o choque luminoso que eu preciso
o qual eu nunca terei
das quais as mãos profundamente humilhou,
perigosos dons da mesma maneira veem a mim.

Poderia? Deveria ou teria tudo isso tão frequentemente?
Suspirando milagres.
Poderia? Conseguiria ou teria tudo isso tão frequentemente?
Suspirando milagres.
Suspirando milagres.

Meu gene romântico é dominante
e sente gana pela união,
intimidade universal,
tudo entrelaçado.

Poderia? Deveria ou teria tudo isso tão frequentemente?
Suspirando milagres.
Poderia? Conseguiria ou teria tudo isso tão frequentemente?
Suspirando milagres.
Suspirando...

As ondas desconexas batendo
ventopopa em minha face,
uma tempestade se aproxima.
Arranque cuidadosamente este aziar de mim!

Poderia? Poderia ou deveria tudo isso tão frequentemente?
Suspirando milagres.
Poderia ou deveria ou teria tudo isso tão frequentemente?

Todo meu corpo é um só
assim que os raios atingem minha espinha
faiscante
a origem perpassa-me,
reviva o meu desejo
inviolável.

Poderia? Conseguiria ou teria tudo isso tão frequentemente?
Suspirando milagres.
Poderia? Conseguiria? Deveria ou teria tudo isso tão frequentemente?
Suspiro por milagres...

Laura - Bat for Lashes [tradução]


Disse-me que todos te deixaram para trás,
teu coração se quebrou e morreu em parte.

Vista teus braços suavemente em torno de mim e diga:
podemos dançar sobre as mesas de novo?
Quando você sorri é tão vasto e
teus saltos são tão altos.
Você não consegue chorar... prossiga em teus trapos felizes
e vamos cantar sozinhos
esta canção solitária.

Você é o trem que descarrilhou em meu coração,
você é o brilho na escuridão,
ah, Laura, você é mais do que uma estrela.
E neste show de horrores
tenho que lhe dizer:
ah, Laura, você é mais do que uma estrela.

Dizem que você está soterrada neste pálido sonho azul
e tuas lágrimas derramam-se quentes nos meus lençóis.

Vista teus braços suavemente em torno de mim e diga:
podemos dançar sobre as mesas de novo?
Quando você sorri é tão vasto e
teus saltos são tão altos.
Você não consegue chorar... prossiga em teus trapos felizes
e vamos cantar sozinhos
esta canção solitária.

Você é o trem que descarrilhou em meu coração,
você é o brilho na escuridão,
ah, Laura, você é mais do que uma estrela.
Você será reconhecida por mais tempo do que eles,
teu nome será tatuado na pele de cada garoto.
Ah, Laura, você é mais do que uma estrela,
você é o trem que descarrilhou em meu coração,
você é o brilho na escuridão.
Ah, Laura, você é mais do que uma estrela.

E neste antigo show de horrores,
eu preciso te contar:
ah, Laura, você é mais do que uma estrela.

A máquina de sonhos

La morte di amore - Roberto Ferri
“As coisas não podem ser assim...”, a manhã tinha aparecido em minha janela, como todos os dias, despertando-me sem necessitar de avisos cantantes, era somente o sol bater e o dia já estava anunciado, a janela em si olhava para mim e dizia sem muitas palavras que era hora de sonhar. Não, eu não sonho dormindo, sonho acordado da hora do despertar até a hora em que vou me deitar, quando o sol deixa de se projetar através da janela do quarto, as cores dos móveis tornam-se menos, não há lâmpada alguma que devolvesse o brilho. Era a vida sob o sol a encher a casa de cores cintilantes, dormir não era sonhar, era ter pesadelos com os acontecimentos cotidianos, era se tornar real pelos pequenos medos diários. Ele foi muito sincero em suas palavras, não era a primeira discussão sobre o futuro, ou o desejo ou mesmo os sonhos acordados. Infelizmente, sou uma máquina de sonhos, de projeção, de desejos, de seguir em frente porque há um segundo seguinte e mesmo o amanhã, só há o que ainda não aconteceu. 

O presente todo se desfez em desonho, as paredes suaves e claras do desejo se evanesceram e todo o brilho se foi mesmo com sol. O fim da era do sonho tinha sido determinado, o momento de sua fala, engasgada há muito tempo na garganta, era sua determinação, os raios solares não eram menos intensos na janela, só não produziam sentido, não deixavam de anunciar o dia, somente tinham deixado de abrir a possibilidade para o sonhar. Aquela colcha de retalhos sobre a cama não tinha aquela cor de quando acordei, era agora acinzentada, vazia, cada um daqueles quadrados tinha um sonho, era somente tocá-los e eles vinham despertar um pensamento, todo o futuro estava engavetado neles, uma vontade de ir para algum lugar desconhecido, tirar uma foto do pôr do sol, tomar um vinho caro ou mesmo tomar um chá na sacada ao som de conversas desimportantes. 

Ele não entendia, quando me negou o sonho, negou-me por inteiro, sou somente feito deles e são eles a moverem os músculos dos meus braços, a realizarem as conexões entre os meus neurônios. Era só me dispensar na lixeira, não tinha mais nada aqui, somente um ser vazio. É certo, não se sonha sobre o vazio, não se sonha sem possibilidades, não se sonha diante de uma negativa, é egoísmo de minha parte, eu sei, mas bastava não me negar a possibilidade, nem que seja para não ser realizado, sonhos não se realizam, se sonham e somente. Não pedi para ter sonhos realizados, pedi somente para sonhar. Não custa nada... 

“Você está me ouvindo?” É claro, e puxou-me pelo braço, chacoalhou um pouco, juro, não estava perdido em meus pensamento, só não tive vontade de me mover, aquela colcha era daquela cor mesmo? Entendi tudo o que me disse e concordo, quem sabe pode ser possível para daqui alguns anos, não tem problema algum. Todos os problemas estavam resolvidos, não havia mais nada com o que se preocupar, tudo eram palavras envenenando minhas veias, nada de mais, minha pele também perdeu seu brilho sob a janela, enrijecia e craquelava como um açude seco. Sua água era um tanto doce, alimentada por nutrientes provenientes da terra e fermentados ao sol. “Podemos ir agora?” Claro, vou me vestir...

cargas - iamamiwhoami [tradução]


Ha!

Eu venho levar, podemos ver que nós causamos tua partida da terra decadente.
Eu venho entregar e envolvi tudo em minha plangente ligação.

Eu lhe trouxe minha história e espero teu terno abraço me envolver,
ofereça o amor e pense em mim.
Estas são as cartas de uma composição
seladas e guardadas por uma novidade.

Onde lançamos as premissas tão profundamente
o tempo finalmete me agarrou
moldado numa imagem de um fugitivo apavorado.

Não duvide do brincalhão.
Diga suas saudações com um adeus.
Sua xícara já está transbordando.
O silencio afunda com um sorriso...

Agora nos esquecemos,
uma pequena, pequena jogada
muda o que foi dado para decidir justamente o motivo disso tudo.

Não espere escutar de mim
da mesma maneira que tenho alimentado bocas famintas.
Realmente gosto da sua companhia,
mas precisamos trabalhar para te manter contente.

Vejo o erro e o pior em mim.
Eu lancei as premissas tão profundamente,
a coragem finalmente me pegou
moldada numa imagem de um fugitivo apavorado.


Agora nos esquecemos,
uma pequena, pequena jogada
muda o que foi dado para decidir justamente o motivo disso tudo.



Não duvide do brincalhão.
Diga suas saudações com um adeus.
Sua xícara já está transbordando.
O silencio afunda com um sorriso...

matança - iamamiwhoami [tradução]



Rasteiro, paltitante, impacto do amor, direto para o canto
tentando partir teus sussurros de gritos repetidos.
Esta vontade está ardente e me fazendo voar alto...

Qual é teu desejo? Me ver feliz?

Venha e mate, exigência e opiniões,
toda essa comoção é sem sentido,
venha e mate, mais uma vez,
uma era está acabando com nossos sorrisos e gargalhadas.

Dou um passo para frente, você me seguraria na queda?
Uma vez que o fiz, sei que que desejará mais (de mim).
Tem me arranhado, me feito falar da dor.
(venha e mate, venha)
Qual o teu desejo? Carreguar-me em teus braços?
(venha e mate, venha)

Venha, e mate, exigência e opiniões,
toda essa comoção é sem sentido,
venha e mate, mais uma vez,
uma era está acabando com nossos sorrisos e gargalhadas.

Jeca Tatu c'est moi


[revisado em agosto de 2013]


A maneira com que facilmente nos identificarmos com os problemas universais do ser humano é a demonstração do nosso comodismo perante a formação do pensamento nacional e das diferenças entre a produção literária entre as nações. Sermos Emmas Bovary em todos os lugares e condoermo-nos com as grandes tragédias tornou-se, muitas vezes, lugar-comum para alguns que acreditam absorver a obra literária em sua totalidade sem a reflexão necessária, mesmo para nós, brasileiros, incapazes de ler a literatura produzida no Brasil, por seu tropicalismo, simplesmente porque uma tradição estabelecida e importada resolveu que estes são os problemas a serem debatidos e representados universalmente. Mas quando uma verdade indesejável nos cospe na cara? Seriamos capazes de identificarmo-nos com Jeca Tatu e o problema de sua raça, o caboclo? Ou entenderíamos que ele seria a melhor representação cultural para a forma com que o brasileiro entende e produz a cultura. Ou seria melhor continuarmos a afirmar que Emma Bovary continua sendo nós? E negarmos o fato de que a tradição nos serve apenas de cabresto a limitar uma possibilidade de construção cultural orgânica sem ser endógena.

Passemos ao problema, o caboclo, tenha ele qualquer nome, e aqui representado na figura de Jeca Tatu do conto “Urupês” de Monteiro Lobato, é um devastador selvagem, apropria-se indevidamente da terra e a utiliza até a exaustão. Não conhece nenhuma técnica que o faria fixar-se no lugar em que escolheu (sobre)viver, é a priori um nômade supersticioso. Assim, "o caboclo é uma quantidade negativa", como conclui o narrador de "Urupês" ao descrever Jeca Tatu e seu modo de vida, seria, dessa forma, o oposto do ato civilizador e não teria com ele nenhuma relação. 

O que seria esta sensação de civilização que falta no caboclo? O que o torna tão diferente de qualquer um de nós ou mesmo de Lobato? Aparentemente parece ser um rancor econômico da parte do narrador que ao ironizar minuciosamente as atitudes de Jeca Tatu esquece-se de olhar para dentro de si e de sua própria história. Só porque ele possui em livros e em conversas pontuais de café: a política ou a ciência ou por (re)conhecer alguns nomes de uma outra tradição, o que permite perpetrar, a partir daí, algumas relações, mesmo que desnecessárias, ele se torna o homem civilizado. É porque devasta de forma regrada e sua superstição tem caráter de religião, amparada na teologia, que o caboclo seria o mais baixo de todos os homens. É porque não tendo domínio da linguagem, "de pé ou sentado as ideias se lhe entramam, a língua emperra e não há de dizer coisa com coisa", que se mantém abaixo de todos os outros na escala da importância humana, a partir do ponto de vista logocêntrico de que a linguagem constrói essa escala. Porém, a pergunta ainda permanece e sem resposta: o quão diferente ele é do devastador selvagem? Deixou de ser humano?

Não quero negar que exista a civilização e suas benesses, eu vivo e sobrevivo ao apoiar meu fazer diário nela. A questão em jogo é quão longe de nós está Jeca Tatu e o quê o afastamento proposto pelo narrador no conto "Urupês" em seu foco narrativo evidencia com tanto desgosto. 

Monteiro Lobato não errou ao descrever o caboclo ou ao colocar preconceitos raciais na boca de senhoras fazendeiras, ele era um homem de seu tempo e que exigia a modernização rápida e sem reflexão para finalmente colocar o Brasil entre as nações do século XX (é preciso ressaltar que o próximo passo dessa marcha foi a Semana de Arte Moderna de 1922, a qual ironicamente foi execrada por todos os modernizadores, inclusive Lobato) e Jeca Tatu era um atravanco nessa ordem civilizatória, assim como todas as outras minorias que de tão violentadas hibridizaram-se com a minoria mandante. O erro, entretanto, foi de nossa época ao tratar com tanta consideração um discurso datado, ideológico e necessário. Ao invés de olharmos para Monteiro e sua escrita como se estivéssemos olhando para o passado, acreditou-se que ele representava o pensamento corrente e que poderia ainda influenciar o pensamento atual, em que a conclusão mais sensata era: é melhor que as crianças não o leiam na escola. Ele pode sim influenciar, mas a partir de um olhar um pouco mais demorado e que deixa claro o quanto somos diferentes daquilo ou o quanto nos diferenciamos daquela época e, até mesmo, perceber aonde se chegou com aquela ideologia para, por fim, termos que nos afastar daquele caminho de destruição mais psicológica do que material. 

"O caboclo não dá pela coisa" civilizatória por sua ignorância e, pela nossa ignorância, chegamos ao século XXI e ficamos com dívidas e dúvidas históricas com dezenas de minorias que só começaram a existir dentro de si depois de muito tempo de silenciamento imposto e autoimposto. Por lhe negarem a própria existência como sujeito, sua subjetivação tornou-se tardia, enquanto um sujeito se construía sobre os escombros de outros, da mesma forma que uma civilização que não deixa de ser uma forma de subjetivação dentro da perspectiva medíocre de culturas nacionais..

Exatamente, uma civilização só se constrói sobre os escombros de outra. E uma civilização só é melhor do que outra quando está no auge do seu “processo civilizatório” e de sua influência, fazendo com que seu passado se apague e somente permaneça na lembrança o seu período de ouro, ou seja, os documentos que não interessam são simplesmente arquivados na pasta secreta do ato arquiviolítico. Mais uma vez e em diferença, uma civilização só se constrói sobre os escombros de outra quando se pode aproveitar o que sobrou das cinzas dos alicerces de outras culturas e segue-se em frente, para não errar no mesmo amontoado de tijolos. 

Finalmente, Jeca Tatu sou eu, na medida que sigo avançando de fazenda em fazenda devastando a terra sob minha superstições, simplesmente porque os civilizadores verdadeiros ainda não foram ouvidos e se o foram, somente os ecos de suas vozes chegaram-me aos ouvidos. "O caboclo é o sombrio urupê de pau podre, a modorrar silencioso no recesso das grotas" da mesma forma quando começo a habitar a árvore viçosa dos grandes pensadores e sugar dela tudo e, ao mesmo tempo, não conseguir produzir nada de duradouro. É o ato favorito do colonizado, pois na falta de um passado, tendo em vista que o passado menor está anarquivado, acaba por gozar somente do pensamento novíssimo até o surgimento de um outro, como analisou Levi-Strauss em Tristes Trópicos.

"Só ele [o caboclo], no meio de tanta vida, não vive..." Só nós, no meio de tanta vida, não conseguimos viver porque ainda criamos uma ilusão que torna o humano cada vez mais insenvível ao negar sua própria possibilidade de existência ao almejar uma felicidade que só não é duradoura por ser incompleta ao negar seu oposto e suplemento, portanto, o homem só não é feliz porque nunca soube ser infeliz.

O cabloco não está distante de nós, na verdade, ele nos representa, é preferível ser essa “quantidade negativa”, tantas vezes representada na literatura dita moderna, do que continuarmos a nos estabelecer pelos parâmetros e problemas logocêntricos. Jeca Tatu sou eu, se Lobato não teve a audácia de Flaubert, digo eu: Jeca Tatu sou eu!

maroto - iamamiwhoami [tradução]


Chaga vazia
em um pequeno rascunho abandonado,
esgote este tempo
o mais rápido pode nos alcançar.

A vida pode ser melhor se me deixar entrar,
(O que está esperando para fazê-lo?)
Entretanto, eu me forcei em direção a partida,
(Abandonar é o que sempre faz...)

Tenho que tomar cuidado com minha tolice manchada,
tenho que ser o maroto roubando tudo,
gostaria que vivêssemos em tempo de êxtase,
não posso evocar minhas memórias perdidas.

Abandone esta chaga.
Por que abandonei meus ideais?
(Quero ser como você.)
Moldado na forma de qualquer um.
(Parado ao teu lado)
(qualquer um é como você)

Tenho que tomar cuidado com minha tolice manchada,
tenho que ser o maroto roubando tudo,
gostaria que vivêssemos em tempo de êxtase,
não posso evocar minhas memórias perdidas.

Feche teus olhos rapidamente, tudo irá esvaziar-se
e sulque tua visão, sinta o aroma
de alguém que atreveu-se a perder tudo,
de alguém que está pronto para desmoronar por tudo isso

(Cale-se e acalme-se, enquanto nos elevamos.)

Estou roubando tudo, tudo.
(Como um maroto roubando tudo), estou roubando tudo de ti?
Estou roubando tudo, tudo.
Eu era o maroto roubando tudo... Estou roubando tudo de ti?

Vernissage - 4ª Edição - Clube Estoril


Convido todos os amigos a apreciarem o Vernissage 2012 - 4ª Edição no Clube Estoril, de 07 à 10 de maio. Participarei com quatro aquarelas e espero todos na abertura, dia 7 às 19h30 no Salão Social Clube Estoril.


uma conversa à toa - iamamiwhoami [tradução]



Onde estava todo este tempo, meu amor perdido?
Parece que o ontem havia partido.
E segurei-te o mais próximo de meu coração congelado,
agora a fuga parece com um novo começo.

Você não é como ninguém que conheci (ou que já encontrei),
contigo floreio para a grandeza.
Meus braços crescem para dentro da luz indistinta
fazendo meu caminho futuro leve

A aérea garantia silenciosa  promete uma tempestade em seu crescente (oh-oh, oh, oh-oooh).
De fato, há uma fala incompleta quando superfícies injuriosas e a ti mesmo se escondem sob a neve

Eu deveria manter-te seguro, escondido dos lobos que se aproximam

Onde está você, meu filho perdido?
Da última vez que o vi estava afundando
num gigantesco buraco do nada,
da mesma forma que meu desejo era desaparecer..

Ou se eu tivesse escolhido ir te procurar (juro que o farei),
ou se eu defendesse minhas crenças (ou se pudesse me levar em segredo? eu iria voltar...),
conseguiria eu compensar toda a alegria que faltou? (se este fosse o significado de teu gesto?),
podemos recomeçar as trocas? (Não pararei até conseguirmos sair daqui).


A aérea garantia silenciosa  promete uma tempestade em seu crescente (oh-oh, oh, oh-oooh). 
De fato, há uma fala incompleta quando superfícies injuriosas e a ti mesmo se escondem sob a neve

Cante e cante.

Onde estava todo este tempo, meu amor perdido?
Parece que o ontem havia partido...















O livro que não se fecha

http://www.germinaliteratura.com.br/01pessoa1.jpg
para Tânia e Felipe

"Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre, pois, não sendo mais, nem querendo ser mais, que um espectador de mim mesmo, tenho que ter o melhor espetáculo que possso. Assim me construo a ouro e sedas, em salas supostas, palco falso, cenário antigo sonho criado entre jogos de luzes brandas e músicas invisíveis." (Fernando Pessoa em Livro do Desassossego)

Certa vez Derrida ensinou-me que na literatura há livros que não se fecham por sua significação ser inesgotável. Portanto, fechar um livro é declarar sua morte, pois já significou tudo o que precisava. Há livros que são simplistas em sua significação e morrem junto com a leitura de sua última linha, porém, outros já perduram em significação e seguem abertos mesmo que guardados nas prateleiras e continuam a demover o leitor em suas futuras leituras e em sua vida-morte.

Quando meus olhos atingiram o ponto final do Livro do Desassossego simplesmente não o consegui fechar. Suas palavras eram maiores do que o próprio papel e permaneciam com suas pontas para fora da edição. Queriam sair correndo e sussurar tudo o que são e ficariam roucas pois nunca conseguiriam terminar de dizer o que significam. Não concebo dizer que o terminei de ler, só estou apto a dizer: ler-lo-ei até que meus olhos se fechem e o meu livro da morte seja finalmente escrito. Ele não voltará para a prateleira, como fiz com todos os outros, morará aberto na cabeceira da minha cama, como a proteger meus pensamento e guiá-los, assim como fazem os livros religiosos. Sua luz, mesmo que pálida, afastará todo e qualquer gênio simplório e seu espectro...

***

O Livro do Desassossego é o livro perfeito. Por ser fragmentário e assincrônico, por Pessoa não ser seu autor, por Bernardo Soares não existir, por nunca ter sido publicado. Encontrado entre outras anotações foi reunido e assim apresentado de acordo com a vontade de seu organizador, mas mesmo se isso não tivesse acontecido, continuaria sendo o que é. "É-se" e ponto final, economizando quarenta sentenças de filosofia.

***

Já derramei lágrimas sinceras em muitos livros, mas este é o livro que me toca profundamente, é o dedo em riste de Pessoa que perfura meu peito e atinge meu coração e desfaz todo o gelo que ali cresceu nos últimos anos, e desfaz tudo o que ali estava encrustado, é uma culpa que se fez menor, pois nunca um livro havia me provado que o que sinto era também humano.

***

Poderia citar diversos trechos do Livro, mas faria exatamente como a Rainha que desejava um mapa de seu reino: o cartógrafo o fez repetidamente, cada vez maiores e com mais detalhes e sem sucesso. Somente um poderia dar conta de seu desejo: um que fosse exatamente do mesmo tamanho de seu reino e que mostraria com todos os detalhes cada uma das flores de todos os bosques.

***

Hoje durmo mais tranquilo, conquistei um mundo inesgotável.

coração-Plath - Braids [tradução]



Não há amor
depois de toda essa sujeira a qual estamos,
se eu não voltar para ti,
lindo garoto, seu sorriso
cultivado em minha espinha
não chegará nem a me segurar.
Já é tempo
e o que queremos é a liberdade.

Não se trata somente de fé,
somente de fé,
somente de fé.

Você não fez exatamente o que disse
quando ralhou comigo
ao me fazer implorar
pelo buraco dourado o qual
certamente foi feito para fazer
crianças perfeitas,
e empurrou e empurrou e empurrou
e de lá retirou secretamente o bebê dourado,
com seu lindo cabelo negro
que repetia interminavelmente como ar translúcido,
não para seus olhos,
apenas a batida do coração-Plath,
atirado na escuridão úmida...
Eu cutucava e girava,
você fumava e ansiava.

Confunda-se comigo, meu querido.
Tenho esperado por um longo tempo
a sua chegada.

tudo em seu lugar - iamamiwhoami [tradução]


Não pedimos por nada disso.
Suas vidas podem nem ser afetadas...

Não pedimos para nos oferecer tudo,
isto não nos ajudará mais
do que já desviamos.

Consegue ver a cicatriz
no céu perfeito?
ou montes alinhados
com um sorriso falso?
Ó, ó, por quê?

Não pedimos por nada disso.
Suas vidas podem nem ser afetadas...

Não pedimos para nos oferecer tudo,
isto não nos ajudará mais
do que já desviamos.

prazer - iamamiwhoami [tradução]


Aproxime-se agora.
Suas mãos acabam de imobilizar meus pés.
Sim, sou uma marionete,
não posso nem me mover no meu próprio ritmo.

Mas posso dançar, hoje à noite,
e criar canções que somente nós poderemos cantar.
Você segura meu coração porque não custa nada.
E para teu ritmo, gritarei
meu amor pelo prazer.

Lala la la lala la lala la la la

Arranque-o forte,
e retire também o coelho de dentro de mim
Sou como uma cotovia agora.
Estarei nas minhas costas e sobre meus joelhos

Então, eu irei
correr agora. Correrei.

Mas posso dançar, hoje à noite,
e criar canções que somente nós poderemos cantar.
Você segura meu coração porque não custa nada.
E para teu ritmo, gritarei
meu amor pelo prazer.

Lala la la lala la lala la la la

Irei dançar, agora. Dançarei.

Bibi

Bibi, 50 x 60 cm, óleo sobre tela


um bom trabalhador - iamamiwhoami [tradução]


Você construiu uma limpa e organizada casa,
um bom trabalhador também.
Uma engrenagem de homens trabalhadores,
tão capazes quanto confiáveis.

De um outro ponto de vista,
venha ver a luz também
que o mantém longe,
confiante, nós sabemos que você consegue.

Olhando para sua pequena cabeça,
Procurando pelo mesmo tempo e espaço,
pronto para algum outro uso,
negar seria uma virtude.

Fiz um bom amigo e fixo,
uma companhia para toda vida,
mas quem sou eu?, quando tudo que sou
finalmente, será tua esposa?

De um outro ponto de vista,
venha ver a luz também
que o mantém longe,
confiante, nós sabemos que você consegue.

Olhando para sua pequena cabeça,
Procurando pelo mesmo tempo e espaço,
pronto para algum outro uso,
negar seria uma virtude.

De um outro ponto de vista,
venha ver a luz também
que o mantém longe,
confiante, nós sabemos que você consegue.(Mantendo-o tão longe)

Olhando para sua pequena cabeça, (Confiante, sabemos que consegue.)
Procurando pelo mesmo tempo e espaço,
pronto para algum outro uso,
negar seria uma virtude.

Capiture-me onde não é possível me encontrar
lá, sim, você me terá.

gotas - iamamiwhoami [tradução]



Desista, deixe de lado
Não acredite no que encontrei.
(Quietas, silenciosas, serão as palavras da tua boca)

Construído do chão
Desfaça essa carranca
(Dance por aí, volte e ser criança, seja justo com a realeza)

Mais uma gota (Retorne)
E tudo estará perdido (Retorne)
Gravetos como cola
obstruem minha visão

Fale comigo fora desta toca
lavando roupas para mantê-las secas
(Pela noite, nós cavalgaremos. Não use seu tempo)

É difícil evaporar-se
Sem tempo para paradas
(Tentaremos nos esconder. Não gaste seu tempo)

Desista, deixe de lado
Não acredite no que encontrei.
(Quietas, silenciosas, serão as palavras da tua boca)

Construído do chão
Desfaça essa carranca
Mais uma falha
E tudo estará perdido
Até o fim.

separados - iamamiwhoami [tradução]


Meu olhar tão sublime de uma distância a qual você precisa tocar
dá-me uma visão da simplicidade, mas não é muito.

Não serei enganado pelo seu toque,
provisão sentimental.
No opressivo amor,
o aroma da falha, nós sugamos.
O frio e a grama descoberta
tão delicada pelos olhos de alguém,
é o motivo pelo qual não podemos estar juntos
e fugir e nos casar esta noite.

Estão quase esquecidos os caminhos que usamos para viver a graça...
Para ser aceito, eu precisei me misturar aos caminhos usuais
e cantar como qualquer um.

Não serei enganado pelo seu toque,
provisão sentimental.
No opressivo amor,
o aroma da falha, nós sugamos.
O frio e a grama descoberta
tão delicada pelos olhos de alguém,
é o motivo pelo qual não podemos estar juntos
e fugir e nos casar esta noite.

A flor de plástico [conto de aniversário, de 8 de janeiro de 2011]

A flor de plástico, duração do diáfano momento vivo. Ela não nasce, não precisa ser regada, não morre e acumula poeira, que gentilmente lavamos e chacoalhamos para que possa ganhar aquele brilho renovado e recolocá-la novamente em seu lugar de enfeite. A flor de plástico impede que o tempo passe, que a vida ocorra naturalmente e mantém os olhos rasos cheio de ternura por sua durabilidade interminável e alguns olhos profundos perturbados.
Ela chamou-me para almoçar num hipermercado, um daqueles que tem muitas lojas âncoras que servem para que as pessoas andem menos a procura do que deseja, aquelas mesmas que tiram o gosto da busca, do bater pernas e encontrar-se verdadeiramente com as pessoas para um despretensioso puxar conversas. Eis que lá, sentado e olhando ao derredor, meu coração começou a palpitar, alguma coisa deixou de fazer sentido na minha cabeça. Ela perguntou-me se tudo estava bem e disse que não... acreditou ser um pouco da ressaca da noite passada.
A comida chegou, olhei para o prato e senti o gosto plástico em minha boca. Coloquei o garfo na refeição e ela se emplastificou naquele momento, uma suculenta lasanha de plástico. Olhei mais uma vez ao redor e as pessoas pareciam de plástico: sorrisos prontos, felicidade calculada, movimentos mecânicos. Todos sentados à mesa pareciam de plástico, tratando de amenidades, miudezas não vividas.
Após a refeição, abri o jornal que acabei de comprar na banca de plástico e ele também somente tinha notícias plásticas. Fechei o jornal estarrecido, um pequeno desespero desmoronou sobre mim, continuo insistentemente olhando ao redor e tudo acumulou uma poeira intragável, as pessoas com aparente melhor posição social que ali também estavam usufruindo do mercado de plástico estavam tornando-se plásticas, seus sorrisos soavam falsos, homens e mulheres andando de mãos dadas com suas roupas obviamente caras, seus cabelos bem cortados e falsamente alisados, sua pele perfeitamente limpa, seus músculos bem torneados, até havia um deles que parecia inarticulado, sua plasticidade era tão grande que tornara-se ali mesmo um boneco de cabelo sintético e sorriso infalível no rosto.
Desassossegado levantei da mesa, com a desculpa de que iria dar uma volta. Ela olhou-me com olhar de reprovação, nem todos haviam terminado a refeição plástica. Entrei numa loja de calçados qualquer. Era uma loja de autoatendimento: você entra escolhe, prova ali mesmo em qualquer lugar, não fala com ninguém, não interage com ninguém, não escuta que algo está ou não na moda, não recebe conselhos de como usar tal ou qual calçado. Nada. Olhei para cada tênis, cada sapato, cada bota, cada sandália, apreciei suas cores, seus formatos e tive a audácia de tocá-los, e o que aparentava couro era plástico, o que era camurça tinha a textura de plástico. Nada era agradável, nada era palatável, meus olhos reprovaram tudo.
Olhei num espelho disponível ali mesmo na loja, apreciei meu cabelo, minha roupa e meus sapatos, tudo também parecia de plástico, desesperei mais uma vez, tentei me salvar por lembrar da noite anterior: a memória remonta a naturalidade da vida, o nascimento, o crescimento e a morte, e só conseguia me lembrar que eu repetia interminavelmente: está tudo errado aqui! Lacrimejei, mas não chorei, acabara de me tornar de plástico. Até mesmo as gotas de orvalho das flores de plásticos são falsas, são uma resina que mal imita a água por seu aspecto esbranquiçado. Tudo por um longo instante pareceu uma pequena flor de plástico empoeirada.