Um poema para desfazer a ilusão

Debaixo de terras vulcânicas
Aquelas que o vulcão secou
Ao devastar está ele
Ancião de si mesmo
Criador de sua própria tradição
Somente a ponta de seus dedos
Permanecem para fora da terra
Como a sentir o medo ecoar
Debaixo de terras vulcânicas
Daquelas que o vulcão devastou
Ao secar moldou ele
Virtude de si mesmo
Inventor de seus próprios dedos
Redirecionou a tradição
Com medo de sentir o eco

Das sereias, pés e novas-máquinas

Circurnavegando pela noite
As sereias vão sempre pela esquerda
E eu pelo meio
E horizonte verticalizado
Tendências pós-tudo
Sorri, mais uma vez e me olha
Tendências pós-carências noturnas
Eu ponho um pé no chão
E os sentidos riscados do dicionário
Essa palavra já não é mais
O outro pé na fumaça
Subindo em direção ao chão
Olho mais uma vez
As luzes estão apagadas
Meio peito se enche de desejo
Viro os olhos
Mexo os dedos
E assim eu desconstruo
Conexões ousadas
Gerasensação é a nova máquina de chilrear
Canta novas canções ao pé do ouvido
Mão na nuca e oito voltas
Do lado direito novas sensações
Eu no meio e as sereias rondando

Borboleta

a Robson 

a definição das cores só se dá em um único lugar
um lugar de poesia colorida asa
asa frágil de uma volta pelo ar sem destino
voo com um destino azul
pouco colorido no começo
mas vermelho no final
na rasante das cores misturadas
afinal uma cor arroxeada
é o voo libertador incerto
o sublime está no banal
como eu no ar
leve delicado

velha roupa nova

Ele sentou-se novamente no mesmo banco. Olhou para um lado e para o outro. Abriu o livro que trazia na bolsa jeans azul. Se o livro estivesse de cabeça para baixo ele não teria percebido. Passou os olhos pelas letras. Lembrou. Recalcou. Outros olhos nas letras e pegou um Trident de canela no bolso lateral da bolsa. Frescor com letras, mesmo que sem sentido, letras frescas. Os olhos não paravam, seguiam de um lado para outro. Até enganava bem! fingindo que estava lendo. Olha para o celular pretinho e pequeno que estava no seu bolso da calça e não da bolsa que pulou com certa destreza para fora e brilhou, olhou sem objetivo. Quando a luz se apagou, lembrou de ver as horas e apertou mais uma vez os botões e brilhou novamente, era cedo! O ato de esperar sempre incomoda. Olhou para dentro de si, num jogo novo que acabara de descobrir e viu, o esperado inesperado: uma roda-gigante! Tudo bem que a imagem já tá cansadinha de aparecer e reaparecer nestes escritos que se valhem de palavras e virtualidade insanas, mas é o que exprime o que esta personagem quase-insana sente! O mundo rodou mais uma vez. E a cada volta da roda-gigante, as coisas mudam, as pessoas aprendem. Às vezes, continuam a mesma, mas a grande mudança é a volta a mais. Ele permaneceu lá! Olhou de novo para fora de si! E tudo permaneu igual. Quase escrevi a palavra errado no lugar de igual. Mas qual seria a diferença? Ele pegou suas coisas, guardou o livro, cuspiu o chiclete, pegou um Halls preto, olhou o celular mais uma vez e se foi. Só o erro ficou, desculpe, a mesmidade!

A felicidade não é deste mundo

Ele olhou para traz mais uma vez. Só para ter certeza de que estava agora só. Sorriu, sinceramente, aquele sorriso que só se pode dar sozinho, em que não é possível flagrar o próprio rosto, pois nem o espelho pode vê-lo, sente-o de dentro e ele é a expressão da própria felicidade, exatamente aquela felicidade que é impossível para qualquer humano. É uma felicidade impossível, mas que existe na Terra por frágeis cinco segundos. Por mais que ele rememorasse o momento, o mesmo sentimento jamais voltaria, ele poderia mesmo pintar aquele momento eternizá-lo adornianamente, fazê-lo sonoro pela letra de uma música, mas não, nada neste mundo poderia trazer aquele cinco segundos de um sorriso inflagrável de volta, sente-se algo muito próximo daquela felicidade, mas ela é impura, inconsistente, inverossímil, às vezes. Poderia até ter outro momento como aquele, idêntico, mas a virtude da primeira vez, e o desuso do próprio sentimento, jamais traria aquela felicidade de volta. Infelizmente, ele já teve direito a toda a felicidade possível no mundo para uma única pessoa naquele instante do sorriso que não poderia ser visto a não ser pelo próprio coração de dentro para fora. Era o toque, o beijo, o desejo? Nunca ele saberá, porque nunca saberemos se é o conjunto, o instante ou mesmo uma ligação entre os neurônios que não deu certo que faz com que a felicidade seja possível por milésimos de segundos em alguns corpos da nossa fadada humanidade ao vale de lágrimas que se tornou nossas complexas e tecnológicas vidas. Sem pessimismos ou ceticismo, a felicidade existiu, por pouco tempo, mas existiu, ela não foi compartilhada, nem aceita como um momento único, pois é esta narrativa que a torna assim, pode ser mesmo que nem mesmo tenha realmente existido, posso, como narrador, estar criando esse momento de vivência-pela-linguagem. Nunca saberemos, somente ele, que pode ser eu, para falar: “Realmente fui feliz!” Aquela felicidade que do nada entra inunda a vida e esvai-se pela mesma porta. Só posso dizer que continuamos na busca, é algo que nunca ninguém saberá dizer se foi ou não! Até termos acesso completo a felicidade, aquela prometida pelas religiões, pela filosofia ou pela esperança boba e inocente, e lembrarmos: “Ah, sim, naquele momento, eu realmente fui feliz!” E sorriremos o mesmo sorriso! Será que alguém estará lá para observar e sorrir junto e compartilhar o invisível?

o abrir dos olhos

Acordar-te é meu único desejo. Ver a face do sono reposta sobre a tua e ter a primazia do primeiro sorriso do primeiro olhar do primeiro osculo. Que a repetição infinita do trauma se faça cicatriz em meu peito, assim volto sempre a rever o mesmo e único belo necessário fato. Os dedos percorrem avenidas de satisfação e a surpresa de uma curva perfeita se fez e desfez toda a ilusão de uma única punição. Não sinto mais culpa, ela se foi, sou outro, sou o Outro. Sou eu que tanto desejei que sempre esteve fora de mim, no espelho, nos relâmpagos de uma janela, na calçada a ser observado. Eu e ele-eu somos um único ser, posso ser tudo o que for, mas disso eu tenho certeza: sou um só! E a surpresa de também receber o que ofereço é a melhor notícia do vão pelo vão. Esta narrativa, ou borrão, rascunho e medo, é apenas uma lembrança, para a eterna repetição em minhas córneas que um dia se fecharão, eu sei, mas que enquanto não se feche, veja, o abrir dos olhos.